28 julho, 2012

"Crónica dum negócio indecente…"

  1. Começou há 4 anos: em 23 de Julho de 2008 foi apresentada à Assembleia Municipal do Porto uma proposta aprovada no Executivo no dia anterior, de alienação de 3 parcelas (perfazendo 30.631 m2) integrantes do designado “Bairro do Aleixo”, com vista à constituição de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário - FEII.
  2. Para enquadramento da operação no “Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação Urbana” previsto no artº 82º da Lei do OE para 2008 (Lei nº 67-A/2007 de 32/12) e aproveitamento dos generosos benefícios fiscais fixados por aquele Regime Extraordinário, a proposta da CMP previa também a delimitação pela Assembleia Municipal de toda a zona do Bº do Aleixo como “área de reabilitação urbana”.
  3. A pressa era tanta, que nem sequer foi obtido o parecer (prévio) do Instituto de Habitação, IP previsto no nº 2 do artº 3º da referida lei. Com 20 abstenções (do PS) e 6 votos contra (BE e CDU) a proposta foi aprovada por 27 votos do PSD e CDS/PP. Mas como o parecer do IHRU era mesmo necessário para a legalidade formal do processo, a mesma delimitação como “área de reabilitação urbana” teve que voltar a ser votada.
  4. Em 15/11/2010, para promoção imobiliária dos terrenos do bairro do Aleixo, já classificados como Área de Reabilitação Urbana, foi constituído o Fundo de Investimento Imobiliário (com o nome INVESURB), com o capital de 6 milhões de euros e 3 participantes:
    • 3,6 milhões a realizar por Vítor Raposo (60%)
    • 1,8 milhões pela Espart (ou outras empresas do Grupo Espírito Santo) - 30%
    • 600 mil euros a realizar em espécie pela Câmara – 10%
  5. Mas mais de um ano depois, o capital realizado (2,7 Milhões) não chegava a 50%. E porque o Fundo INVERSUB se encontrava numa situação irregular (a que a CMVM não poderia deixar de atender), teve de haver alterações nos participantes.
  6. Entra então um novo subscritor (António Oliveira), o qual adquirirá as 600 UPs (Unidades de Participação) de Vítor Raposo, mais 500 UPs detidas pelo Município do Porto. E a Câmara vai entregar em espécie 3 terrenos (que pertencem à cidade e não à coligação PSD/CDS-PP) junto à Rua Diogo Botelho com mais de 3.000 m2, juntando-os assim aos terrenos do Bairro do Aleixo (30.631 m2) já entregues.
Final da crónica: é um negócio indecente, porque vai expulsar pessoas que vivem no Aleixo para entregar aquele espaço privilegiado à especulação imobiliária (prevê-se uma mais-valia de, pelo menos, 30 milhões de euros). E é também indecente porque se aproveita da lei 67-A/2007 (OE para 2008) que dá generosos benefícios fiscais em IRC, IMI e IVA para a reabilitação urbana, apesar da operação imobiliária em curso no Bairro do Aleixo não ser reabilitação urbana (assim confirmou o anterior Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território em 17/2/2009 à pergunta 730/X/4ª do BE). A cidade e a Assembleia Municipal continuam a ser enganados. Continua o saque aos fundos públicos (que vão ser suportados pelos contribuintes, já que isenções, reduções e outros benefícios fiscais são despesa pública). E como no ponto 7. do “Memorando de Políticas Económicas e Financeiras” subscrito pelo governo há o objetivo de redução dos benefícios fiscais, a indecência do negócio ganha agora uma nova dimensão…
  

[in a Baixa do Porto]

27 julho, 2012

Já agora, subam-lhes aos vencimentos...




Cartoon  
Elias o sem abrigo, 
de R. Reimão e Aníbal F
[JN]






COVEIRO DO PODER LOCAL DEMOCRÁTICO


Na última edição da Mais Alentejo escrevi sobre “O Estado do Poder Local”. Hoje vou alertar para as ameaças de que o Poder Local democrático está a ser vítima, que, a consumarem-se, o pode destruir ou reduzir significativamente a sua democraticidade.

Esta situação é mais grave e perigosa do que muitos possam julgar e passível de ser concretizada porque conta com a colaboração de alguns proeminentes autarcas, a começar pela direcção (ou parte dela) da ANMP.

A recente assinatura de um protocolo com o governo mostra à evidência a posição de cócoras em que a direcção da ANMP se colocou, sem pejo de criar divisões no seio da Associação e remetendo para Setembro a realização de um congresso extraordinário, reclamado com urgência por muitos municípios e decidido pelo Conselho Geral.

Esta posição da Direcção da ANMP só pode ser explicada pelo interesse de autarcas, designadamente do PSD, de prestarem um serviço ao ministro da área, Miguel Relvas, que se tem esforçado por mostrar algum serviço, tentando fazer esquecer os esquemas em que apareceu envolvido.

Mas também Rui Rio, o presidente da Câmara do Porto em fim de mandato, sempre apontado para inúmeras outras funções, não quis passar despercebido e propôs um interregno na democracia nos municípios que não regularizassem a sua situação financeira. Nem mais! Depois de Manuela Ferreira Leite ter apresentado essa proposta para o país, eis que o seu discípulo a retoma para os municípios.

Para estes senhores já não basta “meia palavra”. Já dizem todas as que consideram necessárias para atingirem os seus objectivos.

Nunca, como agora, o Poder Local democrático foi tão atacado. Está a sê-lo na sua própria essência – na democracia em que, pesem embora diversas falhas cometidas por alguns autarcas, tem sido quase exemplar. Na proximidade às populações, nos elevados níveis de participação, na aplicação do princípio da subsidiariedade.

Se existe espaço de intervenção em Portugal onde se pode falar, com alguma propriedade, em democracia participativa é sem dúvida nas autarquias locais. E é com isso que alguns desses senhores e o actual poder político nacional convivem mal. E por isso pretendem travá-lo e reduzi-lo à dimensão de antigamente, a simples extensões do Poder Central.

Todas as “grandes reformas” que anunciam não passam de estratagemas, mais ou menos, habilidosos para alcançarem aquele seu grande objectivo. Desde a famigerada reforma administrativa, passando pelas reformas do sistema eleitoral, das atribuições e competências, das finanças locais, entre outras, até à tentativa de enterrar a regionalização administrativa, tudo serve, não para aperfeiçoar e aumentar a qualidade da democracia e da participação das pessoas, mas para as diminuir e enfraquecer.

Mas este ímpeto destruidor desta maioria de direita não se fica pelas “reformas”. Vai mais longe, usando todas oportunidades para tentar alcançar o seu objectivo maior.

Para que se perceba melhor a postura deste governo face ao Poder Local democrático, refiro aqui alguns articulados do memorando de acordo entre o governo e a Direcção da ANMP:

- O Governo insistiu na aplicação da LCPA (Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso), apesar de reconhecer as dificuldades práticas que pode trazer para alguns Municípios;

- A ANMP obrigou os Municípios a comprometerem-se com a afetação da totalidade da receita do IMI ao pagamento das dívidas ao Estado;

- O Governo impôs como condição para a adesão de cada Município ao PAEL (Plano de Animação da Economia Local) a desistência dos processos que se encontrem pendentes em tribunal contra o Estado;

- A ANMP reconheceu que o Governo tem com ela mantido um diálogo permanente e profícuo!!!

Mais palavras para quê? Razão tinha António Capucho quando afirmou que este governo podia ficar para a história como o coveiro do Poder Local democrático.

25 julho, 2012

Também terei direito a estalar o meu verniz, ou não?

Juro que não privo com Passos Coelho, que não conheço ninguém das suas relações, nem sou responsável pelo que ele pensa [se é que pensa] ou diz.  Por conseguinte, descarto-me desde logo da possibilidade de ter exercido qualquer influência nas suas recentes declarações quando disse ipsis litteris"que se lixem as eleições!". E não me interessa para nada o contexto ou o estado de alma em que as proferiu. O que me importa é que um 1º. Ministro, digno desse nome, nunca deve pensar, nem muito menos dizer coisas que deixem transparecer a sua completa mediocridade para desempenhar tão alto cargo. Ao fazê-lo, está a dar ensejo a que o povo replique em bom português e no mesmo estilo, como seja: se algum dia o eleitor tiver de perder a credibilidade para salvar o país dos maus governantes - como se diz -, que se fodam os políticos!

Tenho a impressão que é a primeira vez que uso publicamente este tipo de vocabulário. Foi preciso ouvir Passos Coelho para não resisitir e sentir-me à vontade para o imitar, embora me arrisque a ser tão medíocre quanto ele...

Afinal, onde está a surpresa? Já não vimos este filme antes, noutras versões? Lembram-se de um deputado na Assembleia da República mandar para a pta q. o pariu um colega? E de um outro que rapinou com "grande profissionalismo" o gravador a um jornalista? E de outro [actualmente em "prisão" domiciliária"], acusado de homicídio, branqueamento de capitais, fraude fiscal e burla qualificada? E aquele baixote, ex-conselheiro de Estado [imaginem!] a gozar o usufruto da chico-espertice em ressorts de luxo em Cabo Verde?  E de muitos mais a gozarem de ordenados milionários quando nada de verdadeiramente relevante fizeram ao país para os merecerem? Então, que mal terá copiar exemplos de tamanha nobreza? Então, eu digo: que se fodam estes políticos!

Mas eles lá se encarregam de tentar justificar todas essas mordomias e poucas vergonhas. Que importância terá então que eles se enganem [e nos enganem] sistematicamente?  Nenhuma, estamos cansados de saber. Ainda agora Cavaco vetou o mapa da reforma administrativa de Lisboa por um erro de cálculo na transferência de freguesias! Até os deputados da A.R. se deixaram enganar, imaginem só! Mas que raio de responsabilidade é a deles?  E os membros do Governo, se chegarem ao fim [e que fim?] e levarem o país à desgraça total e à implosão social, à violência, que prémios lhes estarão reservados? Sim, prémios,  porque castigos não sofrem eles, e por cá recompensa-se, não o mérito mas o demérito. Há dúvidas?

Que se fodam pois, tais governantes!

PS-Escapou-me a máxima de Cavaco Silva:  «Tenho muito orgulho nos emigrantes portugueses!»
 

24 julho, 2012

Descentralizar? Era bom, era


um leitor alertava (com razão) para a necessidade de uma maior descentralização em Portugal. Nada que já não tivéssemos ouvido pelo menos um milhão de vezes. 

Há mais de 150 anos que as elites nacionais se referem à descentralização como uma espécie de remédio para os grandes males da pátria. E, no entanto, a centralização persiste para mal dos nossos pecados. Convinha tentar perceber por que motivo é tão difícil descentralizar - com ou sem regionalização.

O século XIX ocupou-se a debater, com minúcia, as desgraças da centralização. Para a esquerda, o culpado teria sido o absolutismo monárquico; para a direita, Mouzinho da Silveira. Como relembra Maria Filomena Mónica, ambos se esqueciam que Portugal, um país formado à volta de um projecto militar, fora desde sempre governado pelo rei.

A tradição administrativa nacional é de tutela, não de autonomia. E enquanto os intelectuais se entretêm a fazer o diagnóstico do mal, o poder mantém-se silenciosamente concentrado em Lisboa.

Na Monarquia, ainda se criaram dois pacotes de descentralização mas sem quaisquer efeitos. Durante a Primeira República a centralização prosseguiu e com Salazar atingiu o seu apogeu.

O pós-25 de Abril herdou um Estado centralizado, omnipotente e arrogante. E é com este Estado que ainda hoje vivemos. Ainda por cima, o poder central tenta compensar a pequenez internacional de Lisboa com uma concentração irracional de serviços. O país sai todo a perder, incluindo Lisboa que já está a rebentar pelas costuras.

O problema é que não se trata apenas de má vontade do poder central de Lisboa. No fundo, os municípios não estão muito interessados na descentralização. Há muito que se habituaram à rotina da pequena gestão – recolha de lixo, iluminação pública, obras, mercados – e não estão para grandes maçadas. Sempre que lhes falam em mais competências nas áreas da educação ou saúde torcem logo o nariz. Não pode ser, não temos recursos financeiros e humanos, dizem eles quase apavorados. E de facto não têm. 

Mas eu só os vejo pedir mais dinheiro. Não me lembro de algum dia terem pedido quadros qualificados da administração central. Eu compreendo. As autarquias há muito que se transformaram em agências de emprego para os da terra e era o que mais faltava ir buscar gente de fora.

É por estas e por outras que eu não tenho grandes ilusões: a centralização, infelizmente, está aí para ficar e durar.
A “reforma autárquica” do dr. Relvas é mais um exemplo de uma oportunidade perdida, uma reforma faz-de-conta, para inglês ver, ou melhor, para troika ver, em que as nossas “elites” são exímias. Não mexe em nada de essencial.

[do blogue Regionalização]