01 agosto, 2012

Informação

O mês de Agosto é para mim o pior dos mêses de verão para  ir de férias, ou apenas para descansar. Na conjuntura actual, é no entanto perfeito para relaxar o cérebro do pesadelo que se vive neste mundo doente de crises, políticos, troikas e noticiários masoquistas. Como tal, informo os caros leitores e amigos que durante uns dias ou semanas, só escreverei no Renovar o Porto pontualmente e se considerar oportuno. Até lá, deixo-vos com este excelente artigo de Manuel António Pina, com o qual estou em perfeita comunhão:


Coisas sólidas e verdadeiras


O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!

Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.

Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?"

Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.

31 julho, 2012

A auto-estima dos magistrados




O actual governo feriu profundamente a auto-estima e o amor-próprio dos juízes portugueses, pois, ao retirar-lhes uma parte das suas remunerações, colocou-os ao mesmo nível de qualquer funcionário do Estado. Colocou-os, de facto, num plano de relevância e dignidade inferior ao de outros funcionários que, por uma razão ou por outra, não sofreram essa medida, como, p.e., os do Banco de Portugal. Sublinhe-se, aliás, que, em matéria de supervisão bancária, das decisões dos funcionários do BP se recorre para um juiz. Com essa medida o governo não teve em conta a especificidade das funções dos juízes, mas sobretudo, não respeitou as suas prerrogativas funcionais, designadamente a independência. Como é que um juiz será independente perante um governo que pode alterar tão expeditamente as suas remunerações?

Dir-se-ia que os juízes estão a beber o que eles próprios colocaram no cálice. Foram mais de trinta anos de triunfalismo sindical que incluiu greves às suas funções soberanas, desrespeito dos cidadãos e dos advogados, manifestações públicas de arrogância contra os outros poderes do Estado e mesmo declarações de insubordinação contra algumas leis da República. Comportando-se como funcionários os juízes acabariam tratados como funcionários. Dir-se-ia, então, que eles estão a colher o que semearam. Dir-se-ia, até, que tudo isso é uma questão entre poderes do Estado, com a qual os cidadãos e os advogados nada têm a ver; mas não. Não se trata de pôr na ordem uma classe profissional que perdera o sentido da sua dignidade tradicional. Está em causa a boa administração da justiça que é um valor superior do Estado de Direito e um serviço público essencial à cidadania, ao progresso económico e ao desenvolvimento pacífico da sociedade democrática.

Jamais haverá boa administração da justiça sem juízes independentes e nunca haverá juízes independentes quando o governo lhes puder diminuir assim as suas remunerações. A independência dos juízes não é um direito laboral, muito menos um privilégio corporativo ou pessoal como, infelizmente, muitos deles chegaram a pensar; é uma garantia do Estado de Direito aos cidadãos e à sociedade democrática de que a justiça será administrada de acordo com a lei e o direito sem quaisquer interferências ou dependências de outros poderes ou interesses. Por isso, sem juízes independentes nunca haverá uma justiça digna desse nome.
E ninguém melhor do que os advogados compreende isso, pois também não haverá justiça sem advogados livres e independentes. Aliás, é a parcialidade dos advogados na defesa das causas que patrocinam que exige e reforça a imparcialidade e a independência funcionais dos juízes. Por isso, hoje mais do que nunca, é necessário que os magistrados respeitem os cidadãos e os seus mandatários e se assumam como servidores da justiça e não como donos dela. Num Estado de Direito a justiça não tem donos, tem servidores; e todos - juízes, procuradores e advogados - a devem servir com igual empenho e respeito.

Tal como em outras épocas da nossa história, os advogados terão, hoje, de estar na primeira linha da defesa da boa administração da justiça e, consequentemente, da independência dos juízes. Aliás, foram os advogados que, em 25 de abril de 1974, impediram que a justiça caísse na rua; foram eles que salvaguardaram o sistema judicial das contingências de um processo revolucionário que convulsionou as estruturas do velho Estado Novo; foram eles que protegeram os magistrados dos antigos tribunais plenários da ditadura, permitindo que, apesar dos ignóbeis crimes cometidos, transitassem tranquilamente para os tribunais comuns da democracia sem sequer serem objecto do mais leve juízo de censura.

Dos juízes espera-se agora que meditem e tirem as conclusões do que foi a sua actuação nos 35 anos de democracia e, sobretudo, do facto de terem optado por formas de organização impróprias do seu estatuto funcional. Espera-se que, chegados a esta situação, eles tenham a humildade de aprender com os seus erros e de substituírem a cultura de poder e de arrogância que os tem caracterizado por uma nova cultura de respeito e de serviço público. Só assim serão respeitados numa sociedade democrática.