17 novembro, 2014

Paulo Portas é o principal responsável pela vigarice dos vistos gold


Portas, o trauliteiro-mor da corte

Para mim, ideólogo obstinado por sociedades pautadas nos bons costumes, pela justa distribuição da riqueza - mas também por severas punições pessoais e políticas a violadores da Lei -, as offshores deviam de ser, pura e simplesmente banidas, em todo o mundo.     Quanto mais não seja, pela indecorosa demagogia que promovem, com a implícita desautorização dos Estados que as toleram. Podem engendrar os argumentos que quiserem, por mais sofisticados que eles sejam, os paraísos fiscais são a negação absoluta da dignidade de todos os sistemas institucionais e co-responsáveis pela degradação moral e cívica de qualquer sociedade. A tese da criação de postos de trabalho não passa de um cínico engôdo para branquear dinheiro sujo muito típica de certas classes pseudo liberais...

Essa, obviamente, não é a opinião de Paulo Portas - um tipo que nem para motorista me servia - a quem alguns portugueses acharam muita piada, a ponto de o guindarem para a cadeira do poder... Foi ele e o recém demitido Miguel Macedo (parabéns pela demissão) quem abandalhou as regras de acesso aos famosos vistos dourados, aligeirando as obrigações das candidaturas através  de uma habilidosa portaria [1161-A/2013], a pretexto de uma suposta maior competitividade relativamente a outros países concorrentes...

Antes de Portas, só podia candidatar-se ao visto dourado quem transferisse um milhão de euros, ou mais (em capitais),  quem criasse 30 postos de trabalho, ou comprasse bens imóveis no valor de 500 mil euros, e era obrigado a permanecer em Portugal 30 dias no primeiro ano, e 60 dias no ano seguinte. Com o "tolerante" Paulo Portas, estes períodos de permanência obrigatória passaram para 7 dias no 1º.ano e 14 no seguinte, e o número de postos de trabalho a gerar pelos "investidores" passou para uns fantásticos 10! Brilhante decisão! É de estadista mesmo! Portas transforma em ouro tudo em que toca...

Mais comentários, para quê?


Os números dizem tudo sobre o fomento de emprego: 

do total de 1775 vistos concedidos, foram aplicados:
                  1681 para compra de imóveis (que grande negócio!)
                      91 para transferência de capitais
                       3 para criação de empresas 
                       (importa agora saber, que tipo de  empresas, quantos empregados e com que salários)

16 novembro, 2014

Labirinto ou pântano?

José Mendes
Justiça e Administração Interna são os esteios do Estado de direito. Quando tudo o  mais falha  ou funciona mal, ao cidadão  comum  resta sempre  a segurança do valor  matricial  da sua  condição  de membro  de uma sociedade organizada. Aqueles  que controlam as  fronteiras da  terra pátria, que  registam  quem somos e  que  atestam o nosso  direito à propriedade privada  terão, necessariamente, de estar acima de quaisquer suspeitas.
O triste espetáculo dos vistos dourados parece ter posto estas premissas em causa. A Operação Labirinto é mais um episódio de um Estado que, para além de omnipresente, se transformou num pântano.
Aquilo que parecia uma boa ideia acabou por se transformar em (mais um) pesadelo. Captar investimento através da concessão do título de residente a cidadãos de países estrangeiros é uma variante das políticas de IDE (Investimento Direto Estrangeiro) que muitos países adotaram, sobretudo no contexto de abertura e globalização que se constituiu como paradigma do Mundo moderno. Paulo Portas, o vice-primeiro-ministro e autor da ideia, teve o seu mérito no lançamento da iniciativa. Contudo, o problema das grandes oportunidades é a sua operacionalização. E aí o Governo português falhou em toda a linha.
Não será novidade para ninguém que o Mundo está cheio de malfeitores e de dinheiro ilícito. Uns e outros procuram pouso seguro, leia-se enquadramento legal e administrativo que lhes permita existirem formalmente e sem riscos. Os destinos habituais destes "clientes" são offshores permissivos ou estados protodemocráticos que valorizam mais o cifrão do que o princípio. Neste quadro, o lançamento de um programa de vistos dourados capta de imediato a atenção de gente pouco recomendável, razão pela qual se impõe a criação de mecanismos de pré-avaliação, decisão e monitorização à prova de bala.
A experiência de programas similares em países do mundo desenvolvido varia entre uma maior permissividade de Espanha ou Grécia e um extremo rigor do Reino Unido ou dos Estados Unidos. Sabe-se que a concentração de gente e dinheiro problemáticos no Sul de Espanha, para dar apenas um exemplo, suscita preocupações que deveriam ter sido consideradas quando se avançou para o programa dos vistos dourados em Portugal. A medida não podia ter sido implementada sem que antes fossem operacionalizados os mecanismos necessários para prevenir um assalto como o que se terá eventualmente verificado. E jamais poderiam ser atribuídos vistos de residência com este enquadramento colocando tanto poder nas mãos de um par de pessoas. Este tipo de decisões são, por natureza, colegiais, justamente para impedir a instrumentalização de um agente público que se deixe seduzir pelo dinheiro fácil.
Uma simples monitorização do programa teria sido indício suficiente de que o mesmo se havia convertido numa porta aberta para a compra de vistos, sem intuito de materializar investimento reprodutivo. Com efeito, desde 2012, foram atribuídos 1775 vistos dourados, sobretudo a cidadãos chineses, sendo que apenas 91 corresponderam à transferência de capital e, imagine-se, só três vistos visaram a criação de emprego. Tudo o resto foi compra de imóveis, ao valor mínimo (sabe-se agora, frequentemente manipulado) de 500 mil euros. Ora, salvo melhor opinião, investimento significa a aplicação de capital em meios de produção, visando o aumento da capacidade produtiva e do emprego. Mas aquilo que aconteceu com o programa de vistos dourados português foi a troca de uma transação comercial de consumo por um direito de residência. Com a agravante de que este direito vendido pelas autoridades portuguesas não é integralmente nosso, já que habilita os compradores a circular sem restrições no espaço Schengen.
A Operação Labirinto, que pôs a descoberto uma alegada rede de interesses e favores apoiada em figuras cimeiras da administração pública, revela duas realidades. A primeira é que continuamos a ter políticos trauliteiros e impreparados, que apostam mais na foto e no soundbite do que no trabalho de casa que é necessário desenvolver para que o Estado cumpra a sua função de facilitador, regulador e fiscalizador. A segunda é a certeza (absoluta) de que continua a existir um Portugal corrupto, onde interesses privados e públicos se entrecruzam de forma ilegítima em praticamente tudo o que importa neste país. Um pântano destes começa a pedir uma revolução.
(do JN)