25 junho, 2016

O “Brexit” pode ser o abanão de que a Europa precisa

Mais do que uma vez disse que tinha “mixed feelings” em relação ao Brexit, era sensível a argumentos a favor ou contra a permanência do Reino Unido, embora estivesse convencido que no fim ganharia o “remain” por uma pequena margem. Depois do assassinato da deputada trabalhista, pensei que o efeito perverso seria inverter as tendências que apontavam para a vitória do “Brexit” e foi isso que pareceu nas últimas sondagens. No entanto, nada disso se verificou e basta olhar para o mapa dos resultados para percebermos como a divisão do voto no referendo penetrou fundo no tecido social, nacional e político inglês. Vai muito para além dos anátemas com que os europeístas quiseram exorcizar um monstro que em grande parte criaram quando estão há décadas a erodir a democracia na Europa.
Take our country back” é um slogan poderoso, entre outras coisas, porque é verdadeiro. O “país”, sob formas mais ou menos capciosas e nunca legitimadas pelo voto com a clareza que é precisa nestas matérias, tinha de facto sido “roubado”, como aliás acontece com muitos países da Europa, a começar pela Europa do Sul. Querer impor sanções a Portugal e Espanha e não à França, porque “a França é a França”, como diz Juncker, é o exemplo do que é a Europa de hoje, indiferente ao voto nacional, comportando-se de forma diferente conforme o tamanho dos países, e correndo para punições como um polícia velho. Aliás o referendo inglês teve algo de parecido com o grego: as tácticas do medo reforçaram o sentimento nacional.
No Reino Unido não votaram os anti-emigrantes contra os amigos dos emigrantes, porque o benefício que Cameron levou para a campanha, dado por uma Europa sem princípios, foi exactamente a excepção para o Reino Unido de poder retirar direitos aos emigrantes. No Reino Unido não votaram os velhos contra os jovens, o campo contra cidade, os populistas emotivos contra os “racionais”, os que olham para o “futuro” contra os que olham para o “passado”. Votaram os escoceses a favor da independência da Escócia por via do sim à Europa, votaram os irlandeses do Norte que não querem uma fronteira externa da União ao lado da República da Irlanda, e votaram os mais pobres e mais excluídos, tirando o tapete ao Partido Trabalhista, e recusaram o voto a tudo quanto é grande interesse, a começar pelo capital financeiro e pelas grandes empresas que são, há muito, mais internacionalistas do que qualquer Internacional Comunista.
Era uma combinação muitas vezes contraditória de intenções de voto? Era, mas as democracias são assim. E os ingleses têm uma velha democracia, e um conjunto de “peculiaridades”, que permitiram a E. P. Thompson um dos mais notáveis ensaios sobre como o adquirido democrático e liberal, penetrou tão fundo no Reino Unido sem paralelo na Europa, e “pertence” a todos. Dohabeas corpus, ao julgamento por um júri, do respeito pelas tradições próprias mesmo quando parecem irracionais e pouco eficazes, como seja a recusa do sistema métrico, ou a condução pela esquerda, a resistência ao controlo de identificação, a momentos que só podiam acontecer em Inglaterra como o apoio dos homossexuais aos mineiros durante as grandes greves contra Thatcher, que ainda hoje faz com que um dos sindicatos mais duros do Reino Unido, participe por gratidão nas paradas gay. Existe uma forte cultura nacional identitária. Umas coisas são mais importantes, outras menos e nem todas são boas, mas isso é que significa “ser inglês”, um complexo de história, cultura, tradição, laços de identidade, que justificaram o “take our country back”.
Os burocratas europeus e os interesses internacionais do dinheiro não percebem esta realidade, e acham que é um anacronismo, mas Jean Monnet, um dos fundadores de uma Europa que já não existe, percebia-o bem demais. E por isso defendia uma Europa de iguais, de “pequenos passos”, de solidariedade e que, para existir, tinha de ter em conta a diversidade das nações. Uma classe política como a portuguesa, que andou anos a jurar nas campanhas eleitorais que não era federalista e que agora acordou toda federalista e hiper-europeia, não percebe isso, porque há muito perdeu os laços com a identidade nacional e aceita tudo. Aceita tudo agora porque o modelo económico imposto é próximo dos seus interesses, porque se a política europeia fosse keynesiana, havíamos de os ver todos anti-europeus.
(do Público)

22 junho, 2016

Grande golo Ronaldo!

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É muito bem feito!

Esta moda muito portuga de considerar alguém o "melhor do mundo", é expressão com a qual não simpatizo nada. Reconheço-a como positiva, quando usada para encorajar, para incentivar o visado, ou a visada, a fazerem sempre melhor. Apenas por isso. Já me provoca repulsa e até alguma vergonha enquanto português, quando oiço e vejo a loucura colectiva a quem a comunicação social  incumbe os seus agentes de contagiar a população, dentro e fora do país, de fazer de um jogador de futebol mais do que um herói nacional, um Deus! 

Falo de Cristiano Ronaldo, como já terão percebido. Como jogador, é sem dúvida dos melhores da actualidade. Os prémios que recebeu não se deveram a cunhas, a favores, foram merecidos. Se foram sempre justos, aí já tenho as minhas dúvidas. A maior virtude de Cristiano é a corrida e a perseverança, o querer fazer sempre mais. Mas isso não significa que seja o melhor do Mundo. Depende do ponto de vista como é avaliado. Pessoalmente, considero Messi um jogador mais completo, tecnicamente muito mais evoluído que Ronaldo. Mas, há muitos mais grandes jogadores na Europa (o Gareth Bale é apenas mais um, o Ibrahimovic, outro). Com características diferentes, mas com talento para dar e vender, até porque os vejo fazer coisas que nem o próprio Messi faz). Enfim, quando falamos das qualidades das coisas e sobretudo das pessoas, devíamos fazê-lo com um pouco mais de moderação porque não é pela fanfarronice que nos tornámos num povo respeitável. 

É verdade que os estrangeiros que nos visitam, têm por hábito elogiar o nosso país. O clima é bom, há sol em abundância, as pessoas são simpáticas, as paisagens bonitas. Estão cá de férias, optam por ser simpáticos e educados com o país de acolhimento, o que só lhes fica bem. Mas tenho a certeza, que já não pensam o mesmo do histerismo que aquela gente de Lisboa (os media estão praticamente todos lá implantados), dedica ao futebol e às suas vedetas de eleição tão contrários a um verdadeiro espírito congregador e nacional. Uma vez chegados aos seus países, os turistas devem achar-nos uns complexados que à falta de um nível de vida decente, se agarram ao futebol endeusando as suas vedetas. Numa coisa se enganam, porém. É que, sendo cada cidadão responsável por si mesmo, pela vulnerabilidade ou resistência que oferecem a quem teima incutir-lhes emoções, são os jornalistas, essa classe corporativa que não ousa varrer do seu seio quem lhes corroi o prestígio, os principais responsáveis pela mentalidade saloia de que continuamos a gozar. E não pensem que são os portugueses, são mais os lisboetas, porque é lá que se fabrica a opinião. Há dúvidas? 

Assim sendo, não me sobra o menor respeito pelo atrevido que colocou o microfone na boca de Ronaldo,  que teve como resposta ir procurá-lo no lago por onde o jogador passava. Esta gente, é o pior que o país tem. Superam mesmo os políticos em falta de carácter. Por isso digo: grande golo Ronaldo! Eu talvez escolhesse outro alvo...

20 junho, 2016

Rui Moreira/FCPorto

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Rui Moreira o líder que o Norte não sabe aproveitar

Terminou a temporada 2015/16 com o FCPorto a ter talvez dos piores resultados desportivos das últimas 10 épocas, com os efeitos colaterais que isso implica do ponto de vista financeiro e de imagem para o clube. Com os cofres mais vazios e as desastradas opções nos negócios da compra de jogadores que têm pautado os anos mais recentes, será extremamente difícil acreditar que a temporada que aí vem seja promissora. Se a isso juntarmos a rendição clara e notória do presidente e dos seus colaboradores mais próximos às tropelias dos adversários com a habitual conivência dos órgãos federativos e da Liga, é improvável que possamos fazer melhor.

Como se pode comprovar facilmente, dedico parte considerável do tempo neste blogue a falar do FCPorto mais sob o ponto de vista político e social do que propriamente desportivo, embora não me prive de mostrar a alegria  que as suas victórias me causam sobretudo quando acompanhadas de bom futebol. Isto, porque num país centralista, profundamente assimétrico pouco dado a exercícios democráticos como Portugal, é extremamente injusto carregar apenas nas costas dos dirigentes a tarefa hercúlea de o mudar.

Não me interpretem mal, porque não estou com isto a dizer  que o Presidente e os seus colaboradores mais próximos devam manter-se mudos e indiferentes como têm feito nos últimos anos. Pelo contrário, essa postura é inaceitável e indigna, como aliás já aqui o dei a entender sem meias palavras. Mais. Perdi muito do apreço que tinha por Pinto da Costa e duvido, pelas reacções que tem revelada a todas essas arbitrariedades que volte a recuperá-lo.

Exceptuando um restrito número de portistas que por aqui passam regularmente deixando os seus comentários, a grande maioria parece estar convencida que isto do centralismo se resolve através do futebol, o que é um grande erro. Foi por causa da discriminação que ao longo dos anos nos discriminou e prejudicou que começamos a dar valor às intervenções polémicas, mas oportunas, de Pinto da Costa que serviram para conter os abusos centralistas e fizeram dele um líder. Até porque na área política nunca tivemos um verdadeiro líder regional. Mas é tempo de exigirmos aos políticos essa responsabilidade, sobretudo no que concerne a zona norte. Que os benfiquistas de todo o país se deixem comer como otários com o sedativo nacional benfiquista, lastima-se, mas ainda se percebe, agora que os nortenhos não saibam unir-se, independentemente das preferências clubistas, contra esse cancro chamado centralismo, é um atestado de imbecilidade que passam a si próprios, e isso sai-lhes do bolso, a eles e a nós...

Há uns tempos atrás anunciei aqui o lançamento do último livro de Rui Moreira "TAP-Caixa Negra" , que recomendei por esclarecer minuciosamente o imbróglio do negócio, com evidentes prejuízos (passados, presentes e seguramente futuros) para a região e para nós próprios cidadãos. Ali se explica tintim por tintim as omissões, as condradições do negócio TAP, com evidentes sinais de embaraço para os responsáveis da TAP e do próprio Governo.

A causa da TAP não é uma causa que importa apenas aos viajantes aéreos, interessa aos bolso de todos nós. Por isso devíamos acompanhá-la com mais interesse, quanto mais não seja para termos uma ideia justa do combate que Rui Moreira está a travar contra mais esta facada ao Norte e ao Porto. António Costa mantem-se calado... Rui Moreira está estrategicamente a aguardar pelas respostas que precisa do Governo a tudo o que só o livro pode esclarecer, dado que para a imprensa e comunicação social em geral, este é um assunto tabu. Não será por ela (comunicação social) que ficaremos esclarecidos. Moreira, está a fazer um trabalho notável em defesa do Norte. Tem gente a apoiá-lo, mas precisa de muita mais, de todos nós. Trabalho tanto mais admirável quanto tem de arrastar com ele políticos engajados nos respectivos partidos ideologicamente diferentes, o que não é fácil,porque só depende do carácter e sentido de cidadania de cada um. 

No meio deste turbilhão de desconsiderações, é no mínimo incompreensível que o Porto Canal não tenha até hoje revelado interesse nem coragem para apoiar a luta de Rui Moreira. Ele não está parado, e continua a olhar como sabe e pode pela nossa cidade. E tem estado bem. Estou certo e seguro que vai ser reeleito. Esta desunião entre autarca e Presidente do FCPorto, não é culpa sua. O tempo se encarregará de desvendar este estúpido mistério. Mas era preferível que se entendessem pela mesma luta. Com o Porto assim, dividido, estamos a fazer a vontade aos centralistas.  É assim que eles nos querem ver: divididos.

Será que lhes vamos fazer a vontade? Que raio de alma é essa, a dos nortenhos? Onde pára o nosso orgulho?

19 junho, 2016

Marcelo e as elites. Mas, que elites?

Manuel Carvalho
Quando o Presidente da República subiu ao palco do 10 de Junho para recordar que “foi o povo, a arraia-miúda, quem nos momentos de crise soube compreender os sacrifícios e privações em favor de um futuro mais digno e mais justo” ou para sublinhar que “foi o povo, sempre o povo, a lutar por Portugal”, não se estava certamente a referir à crise de 1383-1385. Quando apontou o dedo a “algumas elites” que “nos falharam, em troca de prebendas vantajosas, de títulos pomposos, meros ouropéis luzidios, de autocontemplações deslumbradas ou simplesmente tiveram medo de ver a realidade e de decidir com visão e sem preconceitos” não estava seguramente a falar de D. João I ou a pensar em Nuno Álvares Pereira. Para notória infelicidade do povo, Marcelo Rebelo de Sousa pode pegar nas histórias da Caixa Geral de Depósitos, no ilusionismo de José Sócrates, na fuga de Durão Barroso, na arrogância venal de Ricardo Salgado ou na incompetência premiada de Vítor Constâncio (o homem que travou o debate sobre o desequilíbrio externo nacional acabou, recorde-se, na vice-presidência do BCE) para dizer o que disse. 
O que o Presidente não disse, e nós gostaríamos muito de saber, é se acha que a nova elite que governa hoje o país é capaz ou não de “ver a realidade e decidir com visão e sem preconceitos”. Porque, definitivamente, estamos cansados de andar sempre às voltas com o passado e de ver como o país esperançoso de 1986 a 2000 acabou no limiar da bancarrota e no sufoco de escândalos sucessivos. Sim, já sabemos que uma parte da elite política portuguesa contemporânea é o exemplo acabado do fracasso e da venalidade.
É por isso ridículo que o PSD queira avançar com uma comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, porque todos e cada um dos seus deputados sabem o que todos e cada um dos portugueses conhecem: que a Caixa foi durante anos a fio um instrumento do tráfico de influências políticas, o lugar onde o Estado se deixou aprisionar em nome de uma rede de privilegiados sem o mínimo laivo de honra ou de sentimento de dever público. A questão é: e agora?
Se houve nos anos de chumbo da troika uma boa notícia foi a da varredela de uma certa elite que se instituiu com o alto patrocínio do Estado e dos nossos impostos. O fim do império do BES, a investigação judicial aos indícios que pairam sobre os negócios de José Sócrates ou de Armando Vara, a passagem à reserva (sejamos crédulos, ao menos por uns instantes) de Miguel Relvas ou a queda da Ongoing deixaram entrar algum ar fresco pela janela.
Mas, e o presente? Nada nos garante que debaixo dos escombros do ajustamento tenha nascido uma verdadeira elite política destinada a reformar o país e a expurgar o Estado das suas pústulas e dos seus vícios. Pelo contrário, podemos até suspeitar que nas negociatas da TAP ou nos arranjos com os estivadoresesteja outra vez presente o instinto de sobrevivência de uma oligarquia política (a expressão feliz de Rui Ramos nas suas crónicas no Observador) que faz tudo para se perpetuar no poder.
Num livro lúcido e admiravelmente bem escrito que a Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou recentemente (Crime e Castigo, Os desequilíbrios e o resgate da economia portuguesa, de Fernando Alexandre, Luis Aguiar-Conraria e Pedro Bação) faz-se uma viagem pelos traumas do passado recente que nos conduz a uma actualidade não menos assustadora: os problemas que Portugal tinha no início da sua década e meia perdida (por volta do ano 2000) e que nos obrigaram a pedir um resgate à troikacontinuam presentes.
A dívida pública e privada é mais elevada do que no início desta fase da vida nacional e o crescimento económico continua a ser anémico. O défice, está bem, melhorou, mas permanecemos sentados em cima de um barril de pólvora. Portugal precisava de uma elite política que fosse capaz de ter coragem de assumir que a gravidade deste problema não se esgota nos artifícios fantasiosos do debate parlamentar actual. Que tivesse coragem de assumir que há reformas profundas a fazer, sejam as que se encaixam mais nos pergaminhos da direita ou as que reclamam a adopção de mecanismos de protecção social que se revêm mais facilmente nos programas da esquerda
(Fonte: Público)