09 janeiro, 2017

De Mário Soares à Liberdade

Mário Soares
Sábado passado morreu Mário Soares, o guru da democracia em Portugal (opinam). Soares, a par de Álvaro Cunhal, foi um tenaz lutador contra a ditadura de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano, o que lhes custou vários anos de prisão e de exílio. Só por isso, merece o meu respeito, e naturalmente as minhas condolências. Sobre a sua perda não tenho mais nada a acescentar, porque não é preciso, depois da cobertura merecida, mas exagerada e um tanto cínica, que a comunicação social lhe tem dedicado.

Sendo certo que os regimes comunistas não são propriamente modelos de democracia, não me custa aceitar que se atribua quase por inteiro a Soares os louros de pai da democracia, em detrimento de Cunhal, embora me pareça aqui residir um equívoco. Pela experiência que a vida me tem dado, não estou assim tão seguro que democracia e liberdade sejam a mesma coisa, ou melhor, sejam uma espécie de irmãs gémeas siamesas. Deixem-me que me explique.

Sem liberdade não existe democracia, todos sabemos, agora o que parece ninguém querer saber é de que tipo de liberdade falámos. Aqui, já sei, entroncamos com a utopia  e os lugares comuns daqueles que, como Mário Soares, acham que a liberdade para manter esse estatuto, tem fatalmente de ser incondicional. Eu já não acredito nessa teoria. E digo , porque cheguei a acreditar nos primeiros anos de regime "democrático". E, se deixei de acreditar, dê-vo-o a Mário Soares. É verdade. Acho mesmo que um dos grandes erros de Mário Soares foi querer levar à letra a utopia da liberdade absoluta. Nesse aspecto, foi tudo menos pragmático. Foi um idealista sagaz, não foi um humanista convicto e realista, porque desautorizou a própria autoridade. Na altura, todos lhe achavam muita graça, e o caso do "ó senhor guarda desapareça" é um pequeno exemplo do que um país avesso à ordem não deve dar. E agora, o que é que temos?

Temos, uma comunicação social completamente dominada por agencias de informação constituídas por dirigentes políticos, gestores, dirigentes desportivos (ler o artigo mais abaixo de Marinho e Pinto), com um vasto número de jornalistas sem escrúpulos a serví-los e outros teoricamente contrariados, mas comodamente resignados, e sem fibra para reagir ao status quo. Pergunto: será este o comportamento de pessoas normais, numa democracia livre? Será este ambiente irrespirável, onde o medo se instalou e os corruptos proliferam, o país livre idealizado por Mário Soares? Penso que não. Contudo, Soares foi sempre demasiado permissivo com os corruptos e essa era a faceta que menos me agradava nele. Esse porreirismo, essa liberdade, dispenso. Nunca me hei-de esquecer quando contactava com empresários da região, por volta dos anos 80 me dizerem (insinuando com sorrisos) que, não sendo afectos ao PS, preferiam Soares no governo porque era mais "liberal". Era simples perceber por quê...

Mas, o que aqui está em causa já não é o currículo político de Mário Soares. Ele já cá não está e o que passou, passou. O que questiono é a ideia de liberdade onde a calúnia, a acusação pública, a infâmia são toleradas. Ora, é disto que falámos quando se trata de liberdade e de jornalistas. Estes, por força dos maus exemplos que se foram instalando através dos anos, já se acham intocáveis, nem sequer admitem "trabalhar" de outra forma que não através da difamação, da acusação gratuita e da impunidade.

Pessoalmente, estou disponível como cidadão para abdicar destas "liberdades", pela histórica razão/causa de mexerem com a liberdade dos outros. Ela vale tanto como as mensagens insultuosas de anónimos que nos entram na caixa de comentários cujo destino não pode ser outro que não o lixo. Pois foi esta a grande bandeira da liberdade que Soares içou, voluntária ou involuntariamente. Os valores da ética e da honradez foram desprezados em nome do vale tudo e da ganância. Não param de emergir casos e casos de enriquecimento ilícito, de políticos, conluiados com empresas financeiras e bancários. O oportunismo e a corrupção fazem escola sem cessar, nem pudor. Durão Barroso, Duarte Lima, Sócrates (este ainda sem acusação à vista...), são 3 espécies distintas, mas a pior imagem que se pode dar deste país. E muitos, muitos mais. Tudo nos diz que é neste regime de democracia "tolerante" que os oportunistas e criminosos se sentem melhor. Mas, não me interpretem mal, porque a última coisa que almejo é o retorno a qualquer ditadura, seja ela de esquerda, ou de direita.

Agora, o que considero perfeitamente possível coexistirem numa Democracia a valer, é a Liberdade recheada de respeito pelos bons valores e pela ética. E isso, é coisa que esta liberdade desregrada nunca nos dará.

   

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